Homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes em São José do Norte

A festa para Nossa Senhora dos Navegantes é um dos eventos mais importantes de São José do Norte. Mas a homenagem à santa vai além do Rio Grande do Sul.
Por Mariana Campos, em São José do Norte / RS
Um senhor idoso caminha a passos lentos a partir do Caçulão, tradicional hotel de São José do Norte, até a hidroviária. Ele parece conhecer cada detalhe da região central da cidade, apesar de não ser morador dali. É na beira da Lagoa dos Patos que encontro seu Manoel, um ex-pescador catarinense de 81 anos que está há alguns dias por aqui por um motivo muito especial: agradecer à Nossa Senhora dos Navegantes por sua fortuna.
Morador de Florianópolis, seu Manoel repete há 15 anos o mesmo ritual: entre o fim de janeiro e início de fevereiro, sai de Santa Catarina acompanhado de sua esposa Maria da Graça com destino a São José do Norte. Hospedam-se sempre no mesmo lugar, perto o suficiente do porto de onde sai a procissão marítima carregando o barquinho com a santa; e da Igreja de São José, onde as homenagens à padroeira dos pescadores acontecem.
A festa guarda tanta importância para a população da cidade, mesmo para quem não é católico, que recentemente o dia 2 de fevereiro virou feriado municipal. Em 2025, o dia 2 caiu em um domingo. No fim da tarde, a praça em frente à igreja ficou lotada de gente aguardando a procissão terrestre chegar.
Na primeira vez que foi ao sul do Rio Grande do Sul, seu Manoel tinha apenas 16 anos. Precisando trabalhar, ele tinha duas opções: se deslocar para Santos, no litoral paulista, para fazer pão, ou descer pro Sul para pescar. Optou pela segunda e iniciou uma jornada que marcaria toda uma vida.
Segundo ele, os catarinenses vinham em peso para esse ofício: cada temporada trazia cerca de 1000 homens, trazendo canoas, redes e todo o aparato necessário ao ofício. “Gaúcho não sabia pescar”, arrisca Seu Manoel. Ele conta que, na Quinta Secção da Barra, um dos pontos de pesca de São José do Norte, os catarinenses somavam 90% dos trabalhadores.
Era antevéspera da grande festa para Nossa Senhora dos Navegantes quando conversei com Seu Manoel. Provando que a gratidão pela padroeira de São José do Norte extravasa o limite do Estado do Rio Grande do Sul, ele me adiantou que mais de 10 ônibus partindo de Santa Catarina estavam a caminho da cidade. Todos lotados com famílias de pescadores que experimentaram o mesmo que ele décadas atrás: viajavam durante 24 horas via estrada de barro para passar temporadas de 11 meses em São José do Norte, pescar, juntar dinheiro e retornar às suas casas, às suas esposas e crianças, no único mês que sobrava.
“A gente voltava com muito dinheiro no bolso”, conta, satisfeito, Seu Manoel. “Nunca imaginava que isso aconteceria comigo”.
O dono das parelhas, nome dado à prática da pesca de arrastão na qual colocam-se dois barcos paralelos um ao outro com uma rede entre eles, também era catarinense. Chamava-se Felício e, sem querer, acabou por incentivar a migração de trabalhadores de Santa Catarina para essa região gaúcha. Depois que os primeiros trabalhadores começaram a fazer dinheiro então, aí é que a corrida para lá cresceu mesmo.
Seu Manoel e outros colegas fizeram pequenas fortunas e levaram o dinheiro para uma Florianópolis cuja indústria turística ainda era incipiente. De acordo com ele, na época não havia especulação imobiliária em pontos que hoje são bastante valorizados, como a Avenida das Rendeiras e outros locais próximos à Lagoa da Conceição. Então os pescadores compravam lotes a preço de banana com o dinheiro trazido do Sul. Muitos lotes.
“Trocávamos terrenos por bicicletas”, diz ele, que atualmente mora em uma casa em Trindade, bairro na região central de Florianópolis, cujo terreno adquiriu em 1964. “Hoje, esse terreno vale R$ 1 milhão”.
Algumas pessoas com quem conversei nos últimos dias fizeram comentários sobre a influência cultural catarinense na cidade e sobre o fato de que é relativamente comum a existência de parentes no estado vizinho. Talvez isso seja reflexo do ciclo da pesca décadas atrás. De todo modo, seu Manoel vai continuar visitando o “Norte”.
“A gente se sente muito bem aqui, parece que tá em casa”, finaliza ele, sorrindo.
Iemanjá também tem sua festa
Além da festa católica, São José do Norte reserva o dia 1o de fevereiro para homenagear Iemanjá, a grande mãe das águas nas religiões de matriz africana. Organizada pelos terreiros da região, a festa acontece na Praia do Mar Grosso.
No sábado, fomos prestigiar a festividade, que chega à sua 47a edição. Com os pés na areia, assistimos a uma bonita cerimônia do terreiro Caramuru, o mais antigo terreiro nortense. Lia-se o lindo ponto da orixá das águas nas camisas das médiuns:
“Como é lindo o canto de Iemanjá
Faz até o pescador chorar
Quem escuta a mãe d’água cantar
Vai com ela pro fundo do mar”
Foi bom testemunhar a coexistência de festas religiosas em São José do Norte, mostrando respeito à pluralidade de crenças que é tão marcante no Brasil. Aliás, notei alguns mercadinhos vendendo itens de umbanda e candomblé, como imagens de orixás, velas, indumentárias e objetos decorativos.
